Calvinistas
Evangelizam?
Por
Marcos Granconato
Há um mito que circula no meio evangélico que diz
que os calvinistas não se preocupam em fazer evangelismo pessoal ou missões.
Segundo os expoentes dessa lenda, isso ocorre porque os calvinistas creem na doutrina
da predestinação e, uma vez que, segundo sua visão dessa doutrina, Deus já tem
os seus eleitos a quem fatalmente irá salvar, não há nenhuma necessidade de
evangelizar as pessoas, nem mesmo de orar para que alguém se converta.
Realmente, a soteriologia calvinista defende com unhas e dentes a santa
doutrina da predestinação. E isso por uma razão muito simples: poucas doutrinas
bíblicas são tão claras como essa. De fato, mesmo representando um atentado
contra a orgulhosa lógica humana (Rm 9.19-21), a Bíblia é pródiga em suas
afirmações referentes à soberania absoluta de Deus na salvação, que alcança
graciosamente quem quer e endurece a quem lhe apraz (Jo 1.13; Rm 8.29-30; 9.18;
Ef 1.5). É somente por isso que os calvinistas não abrem mão desse ensino tão
controvertido que os torna alvo de constantes acusações falsas.
A questão, então, permanece: essa aceitação da doutrina da predestinação não
inibe o trabalho de evangelismo dos calvinistas? Surpreendentemente, a resposta
é um enfático não. Aliás, é até o oposto o que acontece! Com efeito, tanto a
Bíblia como a história do cristianismo mostram que a doutrina da predestinação
tem se constituído num dos maiores incentivos à evangelização do mundo!
Considere-se, em primeiro lugar, o ensino bíblico. De que forma a Escritura
destaca a eleição divina como um estímulo ao trabalho de pregação do evangelho?
Basicamente, o texto sagrado faz isso de duas maneiras: afirmando que os
eleitos de Deus estão espalhados pelas diversas comunidades ao redor do mundo;
e ensinando que eles fatalmente atenderão à mensagem das Boas Novas em Cristo.
Jesus foi o primeiro a mostrar essas duas maravilhosas realidades. A certa
altura do Evangelho de João, o evangelista conta que o Mestre fez uma
intrigante afirmação: “Tenho outras ovelhas que não são deste aprisco [isto é,
não são de Israel]. É necessário que eu as conduza também. Elas ouvirão a minha
voz, e haverá um só rebanho e um só pastor” (Jo 10.16). Em seguida, para
mostrar que havia grande distinção entre esse grupo espalhado pelo mundo e as
demais pessoas não escolhidas, ele dirigiu-se aos seus oponentes dizendo: “...
vocês não creem, porque não são minhas ovelhas” (Jo 10.26). O Senhor ensinou,
assim, que ele tem um povo espalhado pelo mundo, que as pessoas que compõem esse
povo ainda estão por ser alcançadas, e que elas fatalmente atenderão ao convite
da fé. Como um evangelista pode ser desencorajado diante disso?
O Evangelho de João insiste nessas verdades também em seu Capítulo 11. Ali, o
evangelista comenta algumas palavras pronunciadas pelo sumo sacerdote, dizendo:
“Ele não disse isso de si mesmo, mas, sendo o sumo sacerdote naquele ano,
profetizou que Jesus morreria pela nação judaica, e não somente por aquela
nação, mas também pelos filhos de Deus que estão espalhados, para reuni-los num
povo” (Jo 11.51-52). É mais do que claro aqui que Deus tem “filhos” dispersos
pelo mundo. Esses “filhos” ouvirão a mensagem da cruz e serão, afinal, reunidos
num povo.
Ora, com essas concepções em mente, seria possível um evangelista desanimar? É
claro que não! Na verdade, sabendo disso, o missionário trabalhará ainda mais
confiante, ciente de que as ovelhas de Jesus, os “filhos de Deus que estão
espalhados”, cedo ou tarde, seguirão o Bom Pastor; sim, amanhã ou depois, serão
reunidos pelo Pai.
Além disso, o obreiro que aceita essas verdades não se sentirá fracassado ou
frustrado no ministério quando não crerem na sua pregação. Antes, entenderá que
os que a rejeitaram fizeram-no por não serem ovelhas do Senhor e seguirá
avante, certo de que as ovelhas com certeza ouvirão e o alvo do Pai de reunir
seus filhos num só povo será finalmente alcançado. Poderia haver estímulo maior
para o trabalho evangelístico?
Na história de missões, quem primeiro se sentiu estimulado por essas verdades foi
o apóstolo Paulo. Isso aconteceu quando ele esteve pregando em Corinto, um foco
tenebroso da multiforme religião pagã, centro cosmopolita marcado por excessos
de imoralidade e por todo tipo de devassidão. Corinto, talvez fosse, ao mesmo
tempo, o maior desafio e o mais terrível pesadelo de qualquer missionário
cristão; uma boa desculpa para o abandono do trabalho evangelístico.
Paulo esteve ali em cerca de 50 a.D., por ocasião da sua Segunda Viagem
Missionária (At 18.1-18). Logo de início, sua presença e mensagem despertaram a
oposição da comunidade judaica local que trabalhou intensamente para dificultar
ainda mais a obra missionária em Corinto (At 18.6,12-13).
Paulo, porém, não desistiu. Onde o apóstolo encontrou estímulo para continuar
sua obra num ambiente tão difícil? A resposta é surpreendente: ele foi
incentivado pela doutrina da eleição! O texto bíblico diz que, certa noite, o
Senhor apareceu a Paulo numa visão e disse: “Não tenha medo, continue falando e
não fique calado, pois estou com você, e ninguém vai lhe fazer mal ou feri-lo,
porque tenho muita gente nesta cidade” (At 18.9-10).
Durante os dias do seu ministério terreno, o Senhor havia dito que tinha outras
ovelhas que viviam em vários apriscos fora de Israel. Agora, o mesmo Senhor se
manifesta a Paulo revelando que muitas dessas ovelhas estavam em Corinto. O
apóstolo não devia, portanto, recuar. A realidade de que as ovelhas já estavam
ali, somente esperando ouvir a voz do Supremo Pastor, devia incentivá-lo. Elas
atenderiam a pregação e seriam salvas. Paulo ouviu isso tudo e permaneceu
firme. Foi assim que a santa doutrina da eleição fez o apóstolo perseverar por
mais um ano e seis meses no trabalho missionário em Corinto (1Co 18.11).
Cerca de dez anos mais tarde, Lucas escreveu essa e outras histórias de Paulo
na obra que recebeu o título de Atos do Apóstolos. Foi, talvez, por perceber
que a doutrina da eleição servia como estímulo para a evangelização que Lucas
fez questão de frisar, justamente numa obra de história de missões, que os que
acolhiam a pregação de Paulo eram somente os que faziam parte do rebanho de
Cristo espalhado pelo mundo. “... E creram todos os que haviam sido designados
para a vida eterna” (At 13.48), escreveu ele. Vê-se, assim, que o primeiro
historiador da igreja aprendeu, por meio de suas pesquisas, que a eleição não
somente estimula o trabalho do pregador, mas também garante o seu sucesso.
Conclui-se, assim, que, à luz da Bíblia, a doutrina da predestinação não
desencoraja a obra missionária, fazendo exatamente o oposto. Deve-se, agora,
observar como, em 2 mil anos de cristianismo, essa doutrina serviu como fonte
de ânimo para os sucessivos propagadores da santa fé.
Se o argumento que diz que a doutrina da eleição desestimula a pregação do
evangelho não se sustenta à luz da Bíblia, tampouco esse mito pode se manter de
pé diante da análise histórica. Com efeito, se o ensino bíblico acerca da
predestinação gerasse desmazelo no evangelismo, seus expoentes nada teriam
feito em prol da expansão da fé e ficariam fechados dentro de suas igrejas,
aguardando sua fatal extinção.
No entanto, não é isso que se vê na história. Antes, um zelo ardente por
missões moveu os expoentes da doutrina da eleição, conduzindo-os como pioneiros
e mártires aos rincões mais distantes do mundo, sempre à procura das ovelhas
dispersas que fatalmente ouviriam a voz do Pastor Divino.
O primeiro exemplo vem do próprio Calvino. Em suas Institutas da Religião
Cristã, o grande reformador citou Agostinho de Hipona, dizendo: “Porque não
sabemos quem pertença ao número dos predestinados, ou não pertença, assim nos
convém tratar que a todos queiramos venham a ser salvos.
Assim acontecerá que, quem quer que seja que se nos haverá de deparar,
esforcemo-nos por fazê-lo participante de nossa paz. Mas, nossa paz repousará
somente sobre os filhos da paz (Mt 10.13; Lc 10.6). Portanto, quanto a nós
concerne, deverá ser a todos aplicada, à semelhança de um remédio... A Deus,
porém, pertencerá fazê-la eficaz a quem preconheceu e predestinou” (AGOSTINHO
DE HIPONA. De correptione et gratia, XIV-XVI. In CALVINO João. As Institutas ou
tratado da religião cristã, III:XXIII, 14. São Paulo: Casa Editora
Presbiteriana, 1989. Volume III, p. 426).
Calvino, contudo, não somente ensinou essas coisas. Ele também as pôs em prática.
Uma prova disso está no fato de que, em Genebra, cidade onde atuou como pastor
e estadista, foi criado, após 1545, o Fundo Francês, uma instituição que tinha
como propósito central dar apoio material aos franceses pobres ali refugiados
por causa da perseguição em sua terra natal. Calvino contribuía prodigamente
para esse fundo e é provável que tenha sido um dos seus criadores.
Ainda que os objetivos principais da instituição fossem no campo humanitário, é
sabido que o Fundo Francês era também usado para fins missionários, sustentando
pastores em Genebra que deveriam ser enviados à França.
É também preciso destacar que, em meados do século 16, havia em Genebra 38
tipografias, com cerca de 2 mil empregados, cujo trabalho dominante era
imprimir literatura evangélica destinada aos países vizinhos, especialmente a
França. Por conta disso, na década de 1540, Paris foi inundada pela literatura
produzida em Genebra e as conversões começaram a ocorrer.
Isso despertou a atenção e o desagrado do parlamento parisiense, o qual emitiu
sucessivas listas de livros proibidos, nas quais eram incluídas quaisquer obras
que expusessem ideias calvinistas. As gráficas de Genebra, porém, não paravam
de lançar novos títulos, numa velocidade que o parlamento não podia acompanhar.
Assim, as listas de livros censurados estavam sempre desatualizadas e as obras
de Calvino continuavam a ser vendidas e lidas pelo povo francês.
Além disso, sendo impossível um controle absoluto sobre o comércio de
literatura por parte das autoridades de Paris, os livros proibidos procedentes
de Genebra eram vendidos no mercado negro. O resultado era que as conversões à
fé evangélica não paravam de ocorrer na França.
Os registros históricos apontam que, em 1562, dois anos antes de Calvino
morrer, existiam pelo menos 1.250 congregações calvinistas naquele país,
abrangendo mais de 2 milhões de membros! Foi, certamente, por causa desses
extraordinários avanços que a Venerável Companhia de Pastores, outra
instituição da Genebra de Calvino, enviou 151 missionários à França só no ano
de 1561! (para mais detalhes, veja-se McGRATH, Alister. A vida de João Calvino.
São Paulo: Cultura Cristã, 2004. p. 203-222).
A obra missionária de Calvino também abrangeu a fundação da Academia de Genebra
(1559) criada para treinar pastores e suprir a demanda que o crescimento do
número de igrejas impunha aos reformadores.
Muitos alunos dessa academia eram estrangeiros refugiados (franceses, ingleses,
holandeses, italianos e alemães) que, depois de formados, voltavam para seus
países de origem ensinando o que ali haviam aprendido. Entre esses alunos
esteve John Knox, o grande reformador escocês. Foi assim que a escola fundada
por Calvino tornou-se um grande centro missionário, irradiando a fé evangélica
para o mundo inteiro.
É preciso ainda lembrar que os primeiros missionários protestantes que chegaram
ao Brasil foram enviados precisamente por João Calvino. Eles vieram, a pedido
de Nicolas Durand de Villegaignon (1510-1571), com o objetivo de ensinar a fé
reformada aos colonizadores franceses do Rio de Janeiro e evangelizar os
indígenas. O grupo chegou em março de 1557, mas, menos de um ano depois, foi
expulso devido a conflitos doutrinários com Villegaignon. Esses conflitos
resultaram na produção da Confissão de Fé da Guanabara (1558), um documento de
orientação reformada escrito por cinco calvinistas leigos aprisionados por
Villegaignon.
Desses cinco, quatro foram estrangulados, pondo fim ao trabalho missionário de
Calvino no Brasil (mais informações sobre os calvinistas enviados de Genebra ao
Brasil, bem como acerca do conteúdo da Confissão de Fé da Guanabara, veja-se
NASCIMENTO, Adão Carlos e MATOS, Alderi Souza de. O que todo presbiteriano
inteligente deve saber. Santa Bárbara d’Oeste: SOCEP, 2007. p. 39-48).
No século 17, o Brasil, mais uma vez, foi cenário da atividade missionária
calvinista. Isso aconteceu como resultado indireto dos conflitos políticos
entre Espanha e Holanda. Movido por esses conflitos, Filipe II, da Espanha,
proibiu as relações comerciais entre os holandeses e todas as áreas de
dominação espanhola, o que abrangia a América do Sul.
Nessa época, a Holanda dominava a distribuição de açúcar na Europa e não podia
abrir mão do comércio com a empresa açucareira nordestina. Por isso, em 1621,
foi criada a Companhia das Índias Ocidentais, com sede em Amsterdã, cujo
objetivo era a exploração mercantil na América.
A companhia promoveu duas invasões holandesas ao Brasil: uma na Bahia
(1624-1625) e outra em Pernambuco (1630-1654). Esta última foi a mais bem
sucedida e, para garantir a paz e os seus interesses no Brasil, a companhia
enviou um representante, o conde João Maurício de Nassau, que governou o Brasil
Holandês de 1637 a 1644.
Maurício de Nassau era crente, membro zeloso e assíduo frequentador da Igreja
Cristã Reformada. Seu governo foi brilhante, cobrindo uma área que ia do
Sergipe até o Maranhão. Ocorreu, porém, que a Companhia das Índias passou a
adotar políticas que desagradavam os senhores de engenho, exigindo o pagamento
imediato de empréstimos e impondo certos limites à liberdade religiosa. Quando,
então, Nassau pediu demissão de seu cargo, iniciou-se a luta contra os
holandeses. A chamada Insurreição Pernambucana (1645-1654) resultou na expulsão
dos invasores que passaram a produzir açúcar nas Antilhas.
Foram os holandeses que trouxeram para o Brasil a igreja calvinista. Seu nome
oficial era Igreja Cristã Reformada e contava com 22 congregações locais
espalhadas pelo Brasil Holandês. Ela adotava confissões de fé calvinistas, além
de outros credos ortodoxos antigos, e realizou uma intensa obra missionária,
especialmente entre os índios. O primeiro pastor dessa igreja a se envolver com
a evangelização dos nativos foi Vincentius Joaquimus Soler.
A princípio, ele pregou na aldeia Nassau, no Recife (atual Bairro das Graças) e
somente mais tarde, a pedido dos nativos da capitania da Paraíba, dedicou-se à
evangelização dos índios. Cabe, porém, a David Doreslaer, cujo trabalho
iniciou-se em 1638, o título de primeiro pastor missionário de tempo integral
entre os nativos do Brasil.
O trabalho missionário dos calvinistas holandeses cresceu muito, a ponto de, em
1641, ser celebrada a primeira Ceia do Senhor na aldeia do cacique Pedro Poti.
Várias tribos pediam que a Igreja Cristã Reformada lhes enviasse pregadores e
congregações indígenas foram abertas.
Até os antropófagos tapuias pediram o envio de missionários. Infelizmente, nem
sempre essas solicitações podiam ser atendidas, até mesmo em virtude da
instabilidade decorrente dos conflitos entre Holanda, Espanha e Portugal.
Apesar disso, 17% do trabalho pastoral era dedicado aos índios, graças,
inclusive, à iniciativa pessoal de vários ministros que viam a pregação aos
nativos como parte obrigatória do seu ministério.
Em seu trabalho, os pastores calvinistas ganhavam a confiança dos nativos
dando-lhes assistência social (remédios, alimentos, proteção, etc.), traduziam
partes da Escritura para o tupi, produziam literatura reformada em português e
em tupi, primavam pela educação e formação de professores índios (alguns se
tornaram “consoladores” ou evangelistas) e zelavam não somente pelo ensino
doutrinário, mas também pelo ideal de santidade que deve acompanhar a fé. De
fato, o puritanismo holandês via a Bíblia como norma de fé e prática (norma
credendi et agendi) e isso foi transmitido aos índios.
Infelizmente, com a expulsão dos holandeses do Brasil, em 1654, a Igreja Cristã
Reformada também partiu. Os índios convertidos foram incluídos no “Perdão
Geral” promulgado pelos portugueses. Contudo, sem acreditar nesse perdão, os
índios membros da primeira igreja evangélica verdadeiramente brasileira fugiram
para a Serra de Ibiapaba, no Ceará, a 750 km do Recife. O local tornou-se,
então, o que o padre jesuíta Antonio Vieira chamou de “Genebra de todos os sertões
do Brasil”, repleta de índios calvinistas que consideravam o catolicismo uma fé
falsa.
No mesmo ano da expulsão dos holandeses, os índios da Serra de Ibiapaba
enviaram uma pequena delegação a Holanda, suplicando socorro em prol do povo
que havia abraçado a fé calvinista. Porém, a Igreja Cristã Reformada viu-se
atada pelas negociações de paz entre Portugal e Holanda e não enviou auxílio.
Por isso, a igreja indígena morreu.
Aos poucos, seus membros foram novamente submetidos a Roma ou massacrados como
hereges. Foi assim que terminou um dos capítulos mais belos da história da
igreja reformada no Brasil; e esse capítulo prova quão falaciosa é a acusação
de que os calvinistas não se importam com a evangelização dos povos sem Deus.
(A obra mais completa sobre o tema, escrita em português, é, sem dúvida, a de
Franz Leonard Schalkwijk: Igreja e Estado no Brasil Holandês: 1630-1654. São
Paulo: Vida Nova, 1989. O autor é pastor reformado holandês e ministrou muitos
anos no Brasil, tendo realizado profundas pesquisas tanto aqui como em sua
terra natal).
As provas históricas do empenho evangelístico dos calvinistas são inumeráveis.
Porém, para concluir esse assunto, é suficiente apontar somente mais dois
personagens: George Whitefield e Charles Haddon Spurgeon, sem dúvida os maiores
pregadores de todos os tempos, ambos fervorosos expoentes da fé reformada, com
sua ênfase na doutrina da predestinação dos santos (Informações mais completas
sobre George Whitefield podem ser obtidas em Lloyd-Jones, D.M. Os Puritanos:
suas origens e sucessores. São Paulo: PES, 1993).
George Whitefield nasceu em Gloucester, na Inglaterra, em 1714, e morreu em
Newbury Port, nos Estados Unidos, em 1770. Ele viveu menos de sessenta anos,
mas dificilmente a história poderá mostrar um homem mais zeloso no trabalho de
proclamação das Boas Novas aos perdidos. De fato, Whitefield foi o maior
pregador da Inglaterra no século 18 e, certamente, um dos mais notáveis
evangelistas de todos os tempos. Com certeza, ele foi o principal líder do
Grande Avivamento evangélico que varreu a Inglaterra há mais de duzentos anos.
Whitefield começou a pregar em 1736 e, já no ano seguinte, era capaz de reunir
grandes multidões em Londres dispostas a ouvi-lo. A ele cabe a honra de ter
sido o primeiro evangelista da igreja moderna a pregar ao ar livre, rompendo
antigas tradições eclesiásticas em prol da expansão da fé.
Whitefield usou essa estratégia pela primeira vez em 1739, motivado pelas
terríveis informações que lhe chegaram acerca da vida depravada dos trabalhadores
das minas de carvão que viviam numa vila perto de Bristol. A Tprincípio ele
pregou ao ar livre para um grupo de cem homens daquela vila, mas seu impacto
foi tão grande que logo o número passou para 5 mil, superando mais tarde os 20
mil ouvintes. Aquelas pessoas nunca tinham entrado numa igreja e, mesmo
cansadas e sujas em virtude do trabalho nas minas de carvão, não iam para casa,
preferindo ficar de pé ouvindo a pregação de Whitefield.
A partir de então e até o fim da vida, Whitefield se dedicou à pregação em
lugares abertos, alcançando dezenas de milhares de pessoas tanto na sua terra
natal como na Escócia, onde esteve catorze vezes.
A partir de 1738, Whitefield fez também diversas viagens aos Estados Unidos a
fim de pregar o evangelho ali. Ele morreu durante sua sétima visita àquele
país. Sua coragem em atravessar o oceano treze vezes em suas idas e vindas à
América, enfrentando todos os perigos que essa viagem representava no século
18, mostra o zelo missionário desse pastor calvinista que, em 34 anos de
ministério, pregou cerca de 18 mil sermões!
Proclamando suas mensagens ao ar livre ao longo de toda a vida, Whitefield
enfrentava qualquer situação, mesmo as mais difíceis. Frio, calor, chuva e
neve, nada disso o impedia de anunciar a Palavra às multidões que, também sob
essas condições se ajuntavam para ouvi-lo. Ele pregava cerca de seis vezes por
dia e fez isso por mais de três décadas! Não tinha descanso no trabalho,
submetendo seu corpo a severas tensões. Foi por isso que, extremamente exausto,
após árduos esforços para pregar uma última vez, faleceu em Newbury Port,
Massachusetts, com apenas 56 anos de idade.
Ninguém mais do que George Whitefield provou como a fé calvinista move o crente
ao evangelismo. Sendo árduo defensor da doutrina da eleição soberana de Deus,
ele foi um evangelista incomparável, superando todos do seu tempo no nobre
trabalho de alcançar os escolhidos do Senhor. Whitefield pregou para a
aristocracia inglesa, para os homens humildes do campo e das minas e para as crianças
dos orfanatos, tanto em sua terra natal como em regiões distantes dali. A fé
reformada não o desencorajava. Muito pelo contrário. Foi essa fé que se
constituiu na base de todo o seu empenho, por décadas a fio, até a morte. Hoje,
os que dizem que calvinistas não evangelizam, devem estudar a vida de George
Whitefield. Isso, certamente, os fará mudar de opinião!
Uma dramática mudança de opinião acerca do zelo evangelístico calvinista também
ocorrerá no crítico da fé reformada que estudar a vida de Charles Haddon
Spurgeon (1834-1892), notável pastor batista inglês conhecido como o “Príncipe
dos Pregadores” (sobre a vida de Spurgeon, leia Gigantes da fé, de Franklin
Ferreira, publicado pela Editora Vida, páginas 270 a 278).
Mesmo pertencendo a uma família de tradição protestante e sendo criado sob a
forte influência de seu avô, um pastor congregacional, Spurgeon só se converteu
realmente aos dezesseis anos de idade. Logo no início de sua vida cristã, ele
mostrou grande preocupação pelas almas, dedicando-se à distribuição de
folhetos, ao ensino na escola dominical e, eventualmente, à pregação. Aos
poucos, porém, suas habilidades como comunicador da Palavra de Deus começaram a
aflorar e Spurgeon viu sua fama de pregador crescer quando ainda era bem jovem.
Em 1852, ele se tornou pastor e, dois anos depois, assumiu o ministério na
Capela Batista de New Park Street, em Londres. Seu desempenho ali como pregador
e evangelista atraiu tantas pessoas que as ruas ao redor da igreja logo se
tornaram intransitáveis por conta da multidão que afluía para ouvir o jovem
pastor.
Em pouco tempo, a igreja teve de se mudar para Newington, onde, em 1861, foi
construído o Tabernáculo Metropolitano, que abrigava cerca de 12 mil pessoas. O
local ficava repleto de homens e mulheres desejosos de ouvir os sermões
ardentes de Spurgeon que anunciava o Evangelho com uma paixão e clareza nunca
vistas em nenhum outro pregador daqueles dias.
Charles Spurgeon era calvinista convicto e seus sermões são prova cabal desse
fato (no Brasil, os sermões de Spurgeon têm sido publicados especialmente pela
Editora Fiel e pela PES: Publicações Evangélicas Selecionadas). Defendendo
vigorosamente a doutrina da predestinação dos santos e a eleição incondicional,
ele foi, ao mesmo tempo, um zeloso evangelista de renome mundial, pregando em
diversos países da Europa, tanto em igrejas ou em amplos salões como ao ar
livre. Ele pregava de oito a doze vezes por semana e chegou a falar para um
público de mais de 23 mil pessoas, no Crystal Palace, em Londres.
Tantas foram as pregações de Spurgeon que, quando seus sermões passaram a ser
publicados, a partir de 1855, a obra abrangeu 63 volumes, com mais de 3.500
homilias. Desejoso de que a mensagem de Cristo alcançasse o maior número
possível de pessoas, Spurgeon se esforçava para que as publicações dos sermões
fossem semanais, revisando ele próprio os textos antes que chegassem ao
público. Como resultado dessa imensa obra evangelizadora, Spurgeon batizou
cerca de 15 mil pessoas ao longo de quarenta anos de ministério pastoral. Mais
tarde, seus sermões foram traduzidos para diversos idiomas, transformando vidas
em todo o mundo.
Sempre preocupado com a divulgação da mensagem cristã, Spurgeon também começou
um trabalho de treinamento de evangelistas e pastores, o que deu origem ao
posteriormente chamado Spurgeon’s College. Essa instituição existe até hoje,
adotando a mesma visão do seu fundador e formando evangelistas, missionários e
pastores.
Charles Spurgeon adotava uma concepção ortodoxa das Sagradas Escrituras e, por
isso, passou a ser fortemente criticado pelos membros liberais da União das
Igrejas Batistas da Inglaterra da qual sua igreja fazia parte. Por causa disso,
em 1887, ele se desligou da união e, sob severa oposição, viu sua saúde
minguar. Spurgeon tinha gota, reumatismo e uma enfermidade crônica degenerativa
incurável chamada Doença de Bright. Ele morreu aos 57 anos. Grandes cortejos
foram realizados em Londres por ocasião de seu sepultamento no cemitério de
Norwood. Naquele dia, 31 de janeiro de 1892, o Senhor tomou para si um dos
maiores evangelistas de todos os tempos.
Quem conhece a vida e os sermões de Spurgeon vê quão grande é o impulso que a
doutrina da eleição incondicional dá ao evangelismo. Nota-se que, encorajado
pelo precioso ensino acerca da predestinação dos santos, os homens de Deus se
lançam com maior empenho na busca daqueles que o Senhor escolheu e trazem para
o seio da igreja os convertidos verdadeiros em quem a graça de Deus realmente
atuou.