Depois de mais de dois mil anos de cristianismo. Depois de tantos concílios universais da igreja. Depois de tantos milhares de livros escritos sobre toda a teologia, esbarramos no sec. XXI com uma igreja doente. Deveria estar sadia, viçosa e madura, mas se encontra raquítica, doente e vem perdendo sua força a cada geração. Sua importância é questionada e seu valor posto à prova. Igreja por natureza é um corpo vivo, atuante e transformador. Seus membros devem crescer pela Palavra e testemunho. A igreja deve marcar mais pelo contraste do que pela semelhança. Mas em nossos dias ela vem se igualando ao mundo e oferecendo exatamente o que o mundo já tem e não satisfaz. Gostaria de analisar algumas marcas que apontam para uma igreja doente.
1 – Gigantismo em Lugar de Crescimento
Hoje o padrão para se avaliar a benção sobre uma
comunidade é o número de frequentadores. Não importa se são salvos ou não, mas
se está cheio. Tomando este padrão como norma para as épocas da igreja, veremos
que o próprio fundador da igreja foi um fracasso, pois, deixou somente 120
discípulos e estes medrosos. Se tomarmos este padrão para o mundo árabe,
veremos que os missionários que trabalham por lá a mais de vinte anos são
fracassados, pois, suas congregações são compostas por pouquíssimos convertidos
nativos. Não sou contra congregações grandes, sou contra a despersonalização
que elas geram. Os membros deixam de ser ovelhas e tornam-se estatísticas. Tem
sites de igrejas que mostram, como se fosse um troféu, o número de membros
arrolados com dizeres mais ou menos assim: “hoje já somos tantos milhares...”.
Com isso querem mostrar que o Senhor é mais bondoso com eles que com as demais
congregações? Esse gigantismo é uma distorção gritante do que a Palavra diz. A
Palavra diz que a igreja é um corpo ajustado com cada parte ajudando as demais
no exercício de suas funções. Os dons são distribuídos visando o crescimento do
corpo. Mas a antítese do gigantismo vivido atualmente é a inanição dos membros.
Estes não crescem na proporção do número de membros. São crianças espirituais e
crianças não trabalham, dão trabalho. Abraçam qualquer ensinamento de forma
acrítica e vivem de onda em onda. A igreja está doente porque aceita ser medida
pelos padrões de desempenho empresarias, mundanos que pelos padrões de Deus.
Está doente porque confundiu gigantismo com crescimento.
2 – Muito Dinheiro Investido em Prédios
e Pouco em Missões
Se fizéssemos uma análise do valor patrimonial das
20 maiores igrejas nos pais ficaríamos estarrecidos com quantos milhões de Reais
estão investidos em templos suntuosos. Cada vez mais as igrejas buscam prédios
maiores com o argumento que precisam de maiores espaços para acolher seus
membros. Esquece-se que cada novo templo, por maior que seja já nascerá
pequeno, pois, o crescimento natural da congregação inviabilizará qualquer
empreendimento imobiliário. Alguns líderes afirmam que possuem um patrimônio de
tantos milhões de dólares, como se fossem deles tais igrejas. Outro dia ouvia
um sermão de um apóstolo, dos mais insanos possíveis, no qual dizia que havia
construído uma igreja de R$ 35.000.000,00 no meio de uma floresta tropical. Ele
se gabava do fato de ter nascido no nordeste e agora estar onde está. Paulo
pensava o contrário quando disse: “Mas pela graça de Deus sou o que sou;
e a sua graça para comigo não foi vã, antes trabalhei muito mais do que todos
eles; todavia não eu, mas a graça de Deus, que está comigo”. I Cor.
15:10. Paulo sempre apontava para a graça de Deus. Nunca achou que nele havia
algum bem ou valor, mas sempre a graça. Ele foi enfático neste versículo quando
disse: “todavia não eu, mas a graça de Deus, que está comigo”.
Paulo sofria e lutava para que Cristo fosse formado em seus ouvintes. “Meus
filhinhos, por quem de novo sinto as dores de parto, até que Cristo seja
formado em vós”. Gal. 4:19. Quando investimos em pessoas os ministérios
acontecem, os dons de ajuda mútua emergem e a obra expande. A igreja está doente
porque olha para dentro de si mesma enxergando somente suas necessidades e
esquece-se de olhar para a seara que está branca e pronta para ceifa. Vejo os
relatórios da convenção da qual faço parte e fico estarrecido com os valores
aplicados em missões. Acredito que o executivo regional desta convenção deva
ganhar um pouco menos do que o total investido em missões no estado. Não sou
contra remunerar bem pessoas que se esforçam para o crescimento do Reino. Mas a
necessidade de um não pode ser mais significativa que todo um estado. O erro
está em investirmos pouco, muito pouco em missões. Nunca soube de um alvo
missionário para envio de 100 missionários para missões em um ano específico.
Sempre os alvos são financeiros e estes, salvo engano, nunca são alcançados,
porque a igreja não tem consciência missionária. A igreja está doente porque
acredita que possuindo prédios gigantescos estará influenciando o mundo e mesmo
o salvando. A igreja está doente porque já não mais chora pelos perdidos e seus
destinos, mas se alegra com um capitalismo travestido de espiritualidade. A
Igreja está doente porque perdeu seu grande alvo, o mesmo de Cristo, buscar e
salvar o perdido.
3 – O Pragmatismo é Mais Importante Que
a Palavra
Fomos assaltados pelo pragmatismo. Se funciona deve
ser de Deus. Não perguntamos se está de acordo com a Palavra. Deu resultado
esqueça o resto. Um pregador pela televisão disse que não estava pedindo
dinheiro naquele mês, em seus programas, porque muitos haviam ofertado para seu
ministério depois que um profeta havia prometido uma unção financeira ilimitada
por R$ 900,00. Deve ter entrado muito dinheiro mesmo depois de tal profecia
para que tal pregador jogasse no lixo a razão, a consciência e a Palavra. Isso
é pragmatismo ao extremo. Parece-me que para tais pessoas os meios justificam
os fins. Nem tudo que funciona vem de Deus. Nem tudo que dá certo tem apoio na
Palavra. Temos um exemplo dramático no Antigo Testamento. Israel quando saiu do
Egito não se dispersou no deserto porque adorou o bezerro de ouro. Um fim foi
alcançado, a não dispersão, mas ao preço de sacrificar a comunhão com Deus. O
pragmatismo sacrifica a Palavra no altar do erro e do oportunismo.
A igreja está doente porque aceita os resultados
sem prová-los pela Palavra. A igreja está doente porque a Palavra foi preterida
como regra de fé e prática.
4 – Emoção Sim, Razão Não.
Os cristãos modernos são chorosos, gritadores,
histéricos menos racionais. Os pastores, não em sua totalidade, incentivam a
irracionalidade e a emoção extrema como forma de espiritualidade. Acham que se
o povo gritar e pular é porque o Espírito Santo está agindo. Não me entendam
mal. Creio que a presença de Deus pode mexer com todo nosso ser e podemos ter
reações não convencionais, como aconteceu na época de Jonathan Edwards (1737).
Mas somente emoção destituída de razão é um absurdo. John Mackay disse: “Ação
sem reflexão á paralisia da razão”.
Hoje em muitas igrejas existe a mania ou tendência
de dar um brado de vitoria. O povo grita até ficar rouco. Isso é catarse pura,
mas confundem sair desses cultos aliviados com sair dali abençoados. Paulo nos
encoraja a praticarmos um culto racional (Rm. 12:1). Paulo nos encoraja a
buscamos a sabedoria e o conhecimento para aprovarmos as obras de Deus.
A igreja está doente porque exalta a emoção e
esquece-se da razão. Está doente porque o arrepio vale mais que a Palavra que
em tudo pode nos tornar aptos para salvação.
5 – O Evangelho da Cruz Foi Sacrificado
no Altar de Mamon

Não é preciso ser experto em economia e finanças para
identificar a crise que vive a igreja. Numa nação onde a justiça social é pouco
praticada, a renda está concentrada nas mãos de poucos, o abismo entre ricos e
pobres aumenta assustadoramente e os efeitos desastrosos de uma política
neoliberal se fazem sentir, nada mais seduz as pessoas do que a oferta de
dinheiro fácil, haja vista, o alto grau de endividamento dos aposentados após o
governo federal permitir um comprometimento de suas rendas em empréstimos junto
a bancos. O lucro dos bancos têm sido astronômicos. O povo endividado até o
pescoço e os banqueiros colhendo os maiores resultados das últimas décadas.
Neste contexto o que mais cresce no Brasil são casas lotéricas, bingos, jogos
eletrônicos proibidos e igrejas. Atraem os pobres com promessas de enriquecimento
rápido. As loterias e congêneres pela facilidade de aposta e as igrejas com a
doentia teologia da prosperidade ou da vitória financeira. Estamos promovendo a
maior desevangelização do Brasil. Estamos perdendo um momento precioso de
anunciarmos o evangelho da cruz que gera arrependimento, fé e o novo
nascimento. Em muitos lugares o evangelho da cruz foi substituído pelo
evangelho da prosperidade que gera ganância, barganha, materialismo e grandes
desapontamentos. Sabemos que a maioria nunca chegará a gozar das falsas bênçãos
apregoadas por pregadores gananciosos, materialistas e desumanos. Está
emergindo toda uma geração de cristãos decepcionados com o evangelho de Cristo.
Pessoas que no médio e longo prazo nada farão pelo Reino de Deus, porque estão
tentando absorver ou conviver com as frustrações que tiveram nas igrejas que
pregam tais distorções.
Há bem pouco tempo acusávamos os católicos romanos
de idólatras porque adoravam outros deuses ou santos. Mas deparo-me com a
idolatria no meio evangélico. Não adoramos santos nem deuses, estamos
adorando Mamon.
A igreja está doente porque oferece os benefícios
da cruz sem a cruz. A igreja está doente porque aponta para este mundo como um
fim em si mesmo. A igreja está doente porque se esqueceu de dizer ao homem que
somos peregrinos em um mundo hostil a Cristo e seu evangelho.
6 – Teologia e Clareza Doutrinária Não,
Revelações Sim
Hoje em dia para tudo há uma nova unção. Unção de
nobreza de Salomão por R$ 10.000,00, unção de Abraão por ter agarrado a camisa
de um profeta judeu norte-americano, unção de Ester, unção do Leão de Judá,
unção de Davi, unção apostólica e por ai vai. Nunca vi tanto besteirol no meio
cristão. O pior é as pessoas acreditarem que isso é verdade. Sacrificam suas
competências mentais em nome de uma espiritualidade doentia e insana. Visões,
palavras proféticas, atos proféticos tudo isso mostrando o vazio interior de
líderes confusos e desequilibrados. Os cristãos acham que qualquer pessoa que
fala em nome de Deus ou se diz pastor merece crédito. Estamos vivendo um
momento onde milhares de pastores autocomissionados e mesmo consagrados a rodo
falam em nome de Deus. Como não possuem formação teológica sadia ou mesmo
compraram seus diplomas teológicos de pessoas desqualificadas e desonestas,
falam sobre revelações, visões que nunca tiveram usando a Bíblia como um manual
manipulável e manipulador de massas. As massas evangélicas foram cooptadas por
certo triunfalismo, certo utilitarismo e mesmo hedonismo, onde o que vale mais
é a sensação prazerosa e imediata. Tem mais valor a estética do que a ética, o
sentir e não o pensar e a quantidade e não a qualidade.
A igreja está doente porque as novas revelações são
mais importantes que A Revelação da Palavra.
A igreja está doente porque os sentimentos são mais
valorizados que o pensar consistente.A igreja está doente porque relativizou a Palavra de Deus. Está doente porque não possue mais valores absolutos.
Mas ainda resta muita esperança porque o Soberano
Senhor está no controle de tudo. Ainda resta esperança porque existem homens e
mulheres de Deus que pagam um preço pela sanidade, integridade e não se curvam,
nem se embriagam com estas posturas alucinadoras. Existem servos de Deus que
não se venderam, nem pagaram por bênçãos e nem relativizaram os fundamentos da
fé e de uma vida cristã integral.
Ainda há esperança para igreja, eu creio nisso.
Soli Deo Gloria.
Pr. Luiz Fernando Ramos de Souza
Disponivel em: http://www.internautascristaos.com.br/artigos-teologicos/marcas-de-uma-igreja-doente